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ENSAIO SOBRE O AMANHECER

Atualizado: há 14 horas

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AMANHECER

 

Só o sol e a lua sabem

a hora de despertar

na manhã, porque gosto,

de escrever na manhã o ofício

está manchado, poucos espaços

para escrever, os restos

são nódoas de pele e suor

o amarelo das notícias da TV

nos jornais as árvores

que queimam no congresso

as ordens do dia

são recortes da folha

que cai do birô

pesada da mácula

desses dias.


Ensaio sobre o poema

Por Edie Jorge


O poema Amanhecer trabalha em dois temas: o cotidiano e o simbólico, onde a palavra “manhã” se entrelaça com os campos semânticos da escrita, da política e do corpo. O título anuncia uma promessa de claridade, mas o poema revela um amanhecer manchado, contaminado: “na manhã o ofício / está manchado”, sugerindo que o ato de escrever, que deveria ser luminoso como o nascer do dia, está mesclado com a sujeira do tempo histórico: “os restos / são nódoas de pele e suor”, revelando o impulso vital do amanhecer e a mácula social e política que recobre a linguagem e o corpo.

Também vemos no poema um entrelaçamento do corpo do poeta com o corpo do país, inscrito na metáfora: “ofício”, seguida pelos versos: “árvores / que queimam no congresso” e as “ordens do dia”, “são recortes da folha que cai do birô”, são imagens de um país em combustão onde as instituições se tornam resíduos – “recortes da folha” – que caem junto com a esperança. O birô, lugar de trabalho do poeta está coberto de cinzas, como se o ato de escrever fosse também um ato de resistência diante da devastação.

“Amanhecer” é uma tentativa de escrever contra a escuridão. O poema não traz um amanhecer de pureza, mas o da persistência que sobra - a escrita não é o reflexo de uma manhã ideal, mas o gesto de salvar “vestígios” em meio à sujeira da história. O poeta assume o ofício como quem recolhe o que restou da linguagem e do mundo.

O poema também constrói uma ética do olhar: ver o dia, mesmo quando ele está sujo; continuar escrevendo, mesmo quando a palavra se entrelaça com política, suor e cinzas - nesta luta o que resta é a consciência poética - é a tentativa de escrever contra a escuridão na busca de um mundo iluminado e que permite ao sujeito se sustentar diante de um “real” sem sentido.

O poeta então, escreve neste limiar, entre o resto do sonho e o retorno do real. Na chave freudiana, esse movimento corresponde à passagem entre o trabalho diurno da razão e o trabalho noturno do sonho, em que conteúdos recalcados emergem de forma simbólica. O poema Amanhecer é antes de tudo um alerta, inscrito nos versos: “Só o sol e a lua sabem / a hora de despertar”, mas que devemos sempre buscar: “na manhã, porque gosto, / de escrever na manhã o ofício”, um despertar para um novo dia, advindo de um “presente” que atônitos, nos aprisiona.

 

 

 

 
 
 

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