ENSAIO SOBRE O AMANHECER
- FREDERICO SPENCER

 - há 16 horas
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Atualizado: há 14 horas

AMANHECER
Só o sol e a lua sabem
a hora de despertar
na manhã, porque gosto,
de escrever na manhã o ofício
está manchado, poucos espaços
para escrever, os restos
são nódoas de pele e suor
o amarelo das notícias da TV
nos jornais as árvores
que queimam no congresso
as ordens do dia
são recortes da folha
que cai do birô
pesada da mácula
desses dias.
Ensaio sobre o poema
Por Edie Jorge
O poema Amanhecer trabalha em dois temas: o cotidiano e o simbólico, onde a palavra “manhã” se entrelaça com os campos semânticos da escrita, da política e do corpo. O título anuncia uma promessa de claridade, mas o poema revela um amanhecer manchado, contaminado: “na manhã o ofício / está manchado”, sugerindo que o ato de escrever, que deveria ser luminoso como o nascer do dia, está mesclado com a sujeira do tempo histórico: “os restos / são nódoas de pele e suor”, revelando o impulso vital do amanhecer e a mácula social e política que recobre a linguagem e o corpo.
Também vemos no poema um entrelaçamento do corpo do poeta com o corpo do país, inscrito na metáfora: “ofício”, seguida pelos versos: “árvores / que queimam no congresso” e as “ordens do dia”, “são recortes da folha que cai do birô”, são imagens de um país em combustão onde as instituições se tornam resíduos – “recortes da folha” – que caem junto com a esperança. O birô, lugar de trabalho do poeta está coberto de cinzas, como se o ato de escrever fosse também um ato de resistência diante da devastação.
“Amanhecer” é uma tentativa de escrever contra a escuridão. O poema não traz um amanhecer de pureza, mas o da persistência que sobra - a escrita não é o reflexo de uma manhã ideal, mas o gesto de salvar “vestígios” em meio à sujeira da história. O poeta assume o ofício como quem recolhe o que restou da linguagem e do mundo.
O poema também constrói uma ética do olhar: ver o dia, mesmo quando ele está sujo; continuar escrevendo, mesmo quando a palavra se entrelaça com política, suor e cinzas - nesta luta o que resta é a consciência poética - é a tentativa de escrever contra a escuridão na busca de um mundo iluminado e que permite ao sujeito se sustentar diante de um “real” sem sentido.
O poeta então, escreve neste limiar, entre o resto do sonho e o retorno do real. Na chave freudiana, esse movimento corresponde à passagem entre o trabalho diurno da razão e o trabalho noturno do sonho, em que conteúdos recalcados emergem de forma simbólica. O poema Amanhecer é antes de tudo um alerta, inscrito nos versos: “Só o sol e a lua sabem / a hora de despertar”, mas que devemos sempre buscar: “na manhã, porque gosto, / de escrever na manhã o ofício”, um despertar para um novo dia, advindo de um “presente” que atônitos, nos aprisiona.






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