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ensaio sobre um destino

Atualizado: 15 de nov.


 

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 Por Naedie Jorge


A Vila Brasil, era só um destino, é um belo poema que trabalha com uma estrutura poética muito rica, tanto na forma como no conteúdo, seu contexto é marcado por imagens de ferro, pedra e vapor, que o remete à modernidade industrial e à memória das ferrovias que tanto marcaram a vida de muitos nordestinos, que partiram de suas cidades para ganhar o pão de cada dia em outros destinos.

A cadência dos versos curtos cria um ritmo de trilhos, como se o poema se movesse sobre os próprios versos, num balanço de trem. Há um eu lírico que observa, mas, que também participa da viagem: o menino à beira do rio Capibaribe é ao mesmo tempo testemunha e herdeiro de um tempo que se esvai. Os contrastes: ferro e água, máquina e peixe, trabalho e sonho, constroem uma poética em que o destino nordestino é tanto de partida quanto de enraizamento. O vocábulo “nordestino” no fecho do poema, ganha caráter de afirmação identitária e afetiva, não apenas geográfica.

No poema podemos ver quatro eixos simbólicos que dão força à sua construção: o ferro e o vapor, símbolos do progresso das máquinas e do destino traçado pela técnica: “matemático / traço fino, que seguia”, mas também do peso e da rigidez da vida industrial. O rio, que toma o Capibaribe como corpo coletivo e memória fluida: “a lama de suas carnes” é a imagem entre o humano e o natural; o mar “gigante”, é o horizonte do possível, o mito do retorno. O menino se mostra como figura de passagem: infância, pureza e o olhar inaugural que transforma o mundo em poesia, que se inscreve no verso: “lombo alto de matemático traço”, mas também vê o “lado de cá” o humano, o cotidiano, o quintal e a comunidade que o margeia: “o Coque mineral”. O quarto eixo é “Seu Abidoral”, o mecânico que se torna uma espécie de demiurgo popular que forja o triciclo alado, metáfora do sonho que insiste mesmo entre graxa e ferro.

O poema evoca uma dimensão histórico-social, um Recife operário - o entorno do Coque e da Rua Imperial - lugares de encruzilhada entre o urbano e o ribeirinho. A “Vila Brasil” pode ser lida como microcosmo da nação brasileira, um espaço de contradições – trabalho e miséria, sonho e desigualdade, tradição e progresso. Sua linguagem mistura o léxico poético e o popular, o que reforça a estética da oralidade e o caráter documental da memória. A presença de nomes próprios (“Agápito” e “Abidoral”) inscreve o poema numa geografia afetiva e concreta, como se ele fosse um mapa de pessoas e lugares que resistem ao esquecimento.

“A Vila Brasil” também é um poema-arquivo em que o ferro e o sal, o vapor e o barro, o pai e o menino, o real e o sonho, formam o corpo simbólico do Nordeste urbano. É um canto de origem e travessia. O destino, palavra-chave do título, não é apenas fatalidade, mas também o impulso poético de seguir adiante: “até onde quiseres ir, irás. Nordestino”.

 

A VILA BRASIL, ERA SÓ UM DESTINO

Frederico Spencer

 

Era de ferro e pedra, a fronteira:

os trilhos e o vapor da máquina

fumegando destinos

pela encosta, bem desenhada:

lombo alto de matemático

traço fino, que seguia

até onde se perdia o horizonte, miúdo

do menino, o lado de cá, franzino:

 

a maré dos xiés

e as gentes-peixe:

dentro do rio, o Capibaribe:

a lama de suas carnes,

em suas redes: olhos tristes de vidro

e escamas nos flandres da panela:

ressequidos alvéolos

no sal, o mar, gigante,

ressonando suas ondas distante.

 

Também a casa e o sótão:

tecendo letras para o jornal, o pai,

a mãe, a avó, os irmãos e o quintal;

o muro e os outros meninos

pintados no carvão duro dos dias,

o “Coque”, mineral.

 

No lado de lá: a rua Imperial, as praças

o comércio de “seu Agápito” – o giro.

O motor e as bombas:

“seu Abidoral”, coberto de graxa

e de fumaça, já bem mufino:

“está pronto seu alado triciclo”, dizia,

menino: vapor de máquina de tão fino,

que és, voo de pássaro, o teu destino

até onde quiseres ir, irás. Nordestino.

 

 

 

 
 
 

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