AS FACES DO AZUL NA POESIA DE CARLOS PENA FILHO
- FREDERICO SPENCER

- 7 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 11 de mar. de 2019
No “blues” – estilo musical criado pelos negros que trabalhavam como escravos nas fazendas dos Estados Unidos - a “blue note” marca e define como gênero essas canções - advindas dos cânticos de saudade da terra e da amada que ficaram no além-mar. Além de dar o compasso do andamento do gênero musical, a “blue notes” cria o ambiente nostálgico e triste dessas canções.
No caso da poesia, conseguimos identificar estes vestígios em alguns poetas notadamente urbanos; a solidão dos grandes centros tecida na fragilidade das relações humanas - o vazio e a solidão - impostas por um modo de vida decantados no ritmo sincopado de seus versos.
Na poesia do poeta do azul, Carlos Pena Filho, podemos identificar as várias faces desta solidão e de seus ritmos, como fosse música em nossos ouvidos: a “blue note” poética que serpenteia o nosso cotidiano. Escolhi alguns sonetos tentando mostrar estas faces:
FAZENDA NOVA*
É como se fossem ruínas,
mas não de muros ou casas.
São ruínas de terra antiga
que o tempo estraga.
Vistas de longe, essas pedras
de irregulares tamanhos
são lembranças renascidas
de abandonados rebanhos.
Mas, quando vistas de perto,
a ideia que a gente faz
é a de que aquilo é somente
lavoura de Satanás.
Apenas o sol se move
nessa paisagem sem bois,
sem cabras e sem ovelhas,
sem antes e sem depois.
Ainda mais duas coisas
pode esse campo lembrar:
um cemitério sem corpos
ou um leito de mar, sem mar.
SONETO PARA O DEDO ANULAR*
Inúteis as ausências prometidas
e os cães de lodo resguardando a praça,
seremos sempre estátuas de fumaça
plantadas sobre o chão das avenidas.
Eternamente a olhar pra trás pendidos
como galgos do céu ali tombados,
murmuraremos pedras e recados
que nunca chegarão para os ouvidos.
Viveremos de avanço e retrocesso
e, quando nos sentirmos desmanchados
dentro de nossos corpos pelo excesso,
comporemos silêncios entre as frias
manhãs, onde veremos espantados
que inventamos um tempo além dos dias.
SONETO*
O quanto perco em luz conquisto em sombra
e é de recusa ao sol que me sustento.
Às estrelas prefiro o que se esconde
nos crepúsculos graves dos conventos.
Humildemente envolvo-me na sombra
que veste, à noite, os cegos monumentos
isolados nas praças esquecidas
e vazios de luz e movimento.
Não sei se entendes: em teus olhos nasce
a noite côncava e profunda, enquanto
clara manhã revive em tua face.
Daí amar teus olhos mais que o corpo
com esse escuro e amargo desespero
com que haverei de amar depois de morto.
*Poemas extraídos do Livro Geral.






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