OS PÉS
- FREDERICO SPENCER

- 13 de abr. de 2019
- 2 min de leitura
Naquele dia perdeu a paciência, resolveu cortar os dedos dos pés! No começo eram as unhas, vivia com uma tesoura nas mãos. Não houve jeito, aí partiu para uma solução drástica.
Todos comentavam sobre o tamanho de seus pés e isso a atormentava.
Tentou de todas as maneiras possíveis deter o seu crescimento: calçar latas redondas de doce, não os lavar, chutar a parede por meia hora todos os dias, dormir de bruços – tinha a certeza que os pés cresciam para a frente puxados pelos dedos – desta forma aproveitava as horas de sono durante a noite impedindo que eles crescessem - ao menos um refresco, de noite ninguém merece: é hora de relaxar.
Bastava amanhecer e lá estava ele: o velho chinelo, parecia que da cama lhe dava língua, e tudo recomeçava.
Os dias se arrastavam enquanto seus pés cresciam juntamente com o tormento daquela amizade indesejável. Nasceram com ela, eram inseparáveis.
Já não saía de casa durante o dia, aproveitava a escuridão da noite para caminhar rente ao meio fio das calçadas. Por várias vezes passou de ser atropelada, os motoristas reclamavam dela chamando-a de louca. Numa dessas noites foi abordada pela polícia que fora acionada por um taxista. Passou a ser um perigo público.
Evitou as caminhadas das noites, passou a assistir televisão, não gostava dos anúncios de beleza e de calçados. Adorava ver os surfistas e suas pranchas deslizando sobre as águas fazendo piruetas – ia ao delírio. Mas havia uma lembrança de quando era bem pequena: quase se afogou quando caiu de bruços na areia, fugindo de uma onda – isso a afastava da ideia do surf.
O problema se perpetuava: o que fazer para deter o crescimento dos pés? Por ser ainda muito jovem - os anos eram seu carrasco - a cada dia sentia que cresciam, ficando ainda mais fortes.
Primeiro as unhas, agora os dedos não bastavam para acabar com sua aflição. E se cortasse um pedaço do pé? Fez alguns testes: dava para andar com a metade, era só uma questão de equilíbrio. Podia voltar ao convívio dos amigos. Estes com certeza iriam elogiá-la por tamanha perseverança.
Não ouviu nenhum elogio porque andava cambaleante, não encontrou nenhum ombro amigo. Investiu no corte dos calcanhares e na encomenda das próteses.
Viveu os dias num sofá de espuma ortopédica, as pernas doíam e não havia remédio para isto, seus ais perturbavam seus amigos.
Do Livro: O OLHO DO RINOCERONTE






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