POEMAS REFLETIDOS PELA LUZ
- FREDERICO SPENCER

- 23 de ago. de 2019
- 3 min de leitura
*Por José Luiz Mélo.
“À LUZ DE UM SOL IMPURO”, (Poesia), de Frederico Spencer.
Inaugura o lançamento da FS editora, do próprio autor, que a exemplo do mesmo, esmera-se no apuro, nos detalhes que fazem do livro um encantamento para à vista, enquanto o conteúdo, transcende o que se avista e atravessa à alma.
Como descrever a poesia de Fred? Não é fácil de ler, quando se espera encontrar a forma fluida e líquida, princípio meio e fim. Mas, não é assim. Assemelha-se com um mistério que não faz esforço por ser descoberto, mas sentido, parido com unhas e dentes, sua poesia é assim: Impossível em se ficar indiferente.
Múltiplas vertentes as dos seus versos, vertentes de cima e as outras de baixo, que misturam os seus braços e suas marés num oceano emblemático onde para se ter a cor de suas águas, não se olha de cima, mas de dentro, dos ínfimos maremotos, nos dilúvios imensos.
Então vamos lá, no calor deste abraço, falar dos seus poemas. Das conchas submersas, também dos cata-ventos que sopram à vontade, no mais das vezes, não para onde sopra o vento.
CÓDIGO DE BARRAS, poema daqueles que costumo dizer: universal, porque síntese humana, traduzindo sua unidade de ser na diversidade dos códigos que o emparelha em prateleiras superpostas, diversas entre si, no entanto iguais consigo mesmo. Chama-nos à atenção, as palavras que usa na carpintaria dos seus versos: logaritmos, barras, códigos, chips, links, ogivas, que permearão os seus poemas, como uma assinatura, identidade digital.
CÓDIGO DE BARRA
A cidade
não é o cinza, só:
- onde andará o azul das manhãs?
Que perdemos
na multidão:
as esquálidas barras do dia fascinam
com seus códigos falam das vitrines:
- penso:
logo existimos nos logaritmos
dos códigos de barras:
o alimento
das almas puras
comprando
a nova, calça jeans
dos desejos que não
são.
Andando pelas ruas
não lembro do amor guardado
que prometi, só
- os esquálidos
códigos de barras
nos atravessam
e nos esquecemos
nesta multidão:
nas luzes desta cidade, ocre
pulsamos
com os seus luminosos:
as publicidades
nos falam das pluralidades
que seremos um dia.
A TECELÃ
De suas mãos
de argila, nasce o ser
do amanhã. No molde:
podado, retorna para a teia:
a aranha e seu bote
de alma morta
concede-se ao prazer:
a corrente frouxa, o olho ao longe
aterroriza – prefere a teia
e a viúva, suas garras e dentes
enquanto lá fora o sol brilha.
É como um quadro abstrato, em que as formas se misturam. Não se exige a explicação do porquê é assim, mas belo exatamente pelo seu enigmatismo, porque é assim. Então se sucedem os versos do poeta. Trata do amor, como um sentimento imaterial que se não toca com as mãos, mas, com o cérebro. Fala do social, sem aquele pudor de dizer pela metade o que é inteiro, mas não de uma maneira rude, sim, de um modo cordial, como alguém que pede licença à multidão para passar com o seu medo.
Não devo mais comentar os poemas de Fred, neste “À Luz de um Sol Impuro”. Devo deixá-los falar com você, porque seus versos não são analgésicos, são antissépticos, purificam quem os lê.
ÁGUAS
Nas tuas planícies
desemboco - esses rios que cabem em minhas mãos
e ao te encontrar, no amanhecer:
maré cheia
- habitar no teu silêncio. Descanso
após esse longo caminho
- na areia fina de tua pele
deitar e esperar tua língua
espuma, de vento e sal
se despedaçando no silêncio
na dobra da onda
teu breve regresso. No horizonte
onde os olhos
despencam do mundo
descobrindo-me só.
AO PAI E AO FILHO
A Fernando Spencer, meu pai
Até onde formos infinito
tuas digitais em mim, serão sóis
tuas lembranças, luas
de um tempo
onde escrevemos nossos nomes
com as cores destas páginas
subscrevemos, vida.
Até onde fores palavras
das conversas que tivemos
ou não
seremos infinito
vítimas deste tempo:
esmaecidas impressões.
Até onde teu dedo apontou
descaminhos se cruzaram
com sua lança nos levaram
para outras terras, nos esquecemos
nossos brasões, correram líquidos
por entre nossas mãos.
Até quando fores
esta voz ressonando nos cantos
na casa, batida do coração
madrugarão estrelas
em sua cama, o menino
ainda espera tuas mãos.
AGORA
Neste instante
a existência pousa, nua
a mosca, no pão
doce no frio do balcão
entrega-se
despercebida
com sua língua
constrói o sabor da manhã:
o cheiro do café
a menta da tarde
gelada
a noite desce crua
o verde do amanhã.






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