POSTAL POÉTICO DO RECIFE
- FREDERICO SPENCER

- 22 de abr. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de abr. de 2019
A cidade do Recife sempre foi berço e palco para grandes poetas, poesia faz parte das ruas e de suas pontes, explode no sol que invade suas avenidas, praias e rios.
Aqui segue uma pequena amostra de poemas escritos nestes trinta e poucos anos de minha poesia, como forma de agradecimento:
CRÔNICA DA TERRA
Recife
canto-te em três tempos:
Re – um sentido prático
ci – da sífilis transmutadas
fe – das beatas rezadeiras.
Durante o dia
me queimo no teu sol
corando minha alma negra.
E, à noite,
observo teus telhados desbotados
de onde olho o mundo.
GUERRILHA URBANA
À praça Joaquim Nabuco
As praças públicas
estão repletas de pessoas
imóveis. O tempo não corre
pelas praças. Invólucros
revolucionários, quebrando a disciplina
das cidades.
Nos bancos das praças, homens
sonham, se exilam, se defendem
do tempo, dos relógios que corroem
os transeuntes. Os homens
sentados
não ouvem as sirenes, das fábricas:
são histéricas, eles estéreis
à agonia, se rebelam
contra o roubo do tempo
dos relógios de ponto. Os homens
imóveis
hibernam nas praças.
CANTIGA AO CAPIBARIBE
Sonhou-se um dia:
sobre tua pele, naves deslizariam
e ao trabalho te darias:
carne para os pobres - lazer
para os ricos flamejantes - espigões
em tua periferia brotariam
e em cada janela, corpos nus cantariam:
- Muitos homens como chão, te sonharam.
Outros, qual amante
resgatariam sonhos de feudo
e se transbordariam do teu efêmero líquido
e durante a noite, no teu canto
úmido, acalentarias a sede das sedes
com panos mornos, sobre a cidade ofegante.
Hoje à pátina, nesta tela:
a libido proibida, contraído sexo
para não morrer, recusa
a escusa do limbo escaldo dos engenhos
que movem os homens da cana-de-açúcar:
em teus pulmões de espuma
a viagem intransitável em teu ser.
PARALELO OITO
No teu dorso de cidade – a giz
traço no meu caderno tuas rotas
até onde o medo me cabe:
inventário de sombras – pátio aberto
sobre o rio mocambos parasitários
à flor de tua pele
a fé de um deus seu povo viça:
pacífico e atlântico azul
o leste desatado – o sol e o mar
trago do tempo: areia e sal
de teus mapas
a solidão de minhas ilhas.
RECIFE ENCHARCADA
Num abril
Recife acordou encharcada:
dos coturnos, sobraram acácias amareladas
e os verdes das bílis embriagadas:
olhos embotados de vermelho
correram becos e vielas
dissecaram veias e artérias
naquela madrugada. Etérea
Recife foi sufocada.
UMA CIDADE DORME PRESERVADA
Em teu leito
desejo e barro, tecem homens
nas tuas entranhas de cidade
cantam sereias
cirandas, na areia pensa do teu mar:
sonhadores de ondas e estrelas
nos teus sargaços vem afogar
pontes, braços e veias:
no teu sangue áspero
por séculos, abissal.






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