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TANGO PARA IRACI

Para Emma Bovary


Seu olhar se fixara no horizonte, as respostas se multiplicavam na poeira da caatinga, embaçadas por um sol que já não adiantava - Iraci dançava em sua íris. Pele branca e o negrume dos cabelos - jogo de luz e sombra que aprofundavam aquelas curvas que desciam até as ancas carnudas, poço profundo habitado por seres de outros mundos.

Com o balanço da cadeira veio o trote do cavalo - o maldito pêndulo ditando aquelas horas: a visita adentrou para o almoço daquele dia, trouxe uma garrafa de vinho e frutas escolhidas a dedo para o momento - Iraci adorava pinhas; encostadas levemente umas às outras dormiam sobre uma manjedoura - a esperança de novos dias nutria o doce em sua pele fina.

Ela vivia os dias contando as horas, sonhando, os pratos a serem servidos, nem por um momento deveria transparecer a inquietude daqueles momentos - sem pressa a tarântula tecia o casulo da morte.

- Talvez fosse o vinho e a embriaguez de sua cor, tudo era paixão. Um tempo já maduro teria aninhado sua semente vil.

Um homem agora sangra e estrebucha.

Naquele vai e vem, os pés da cadeira multiplicavam as respostas; um único tiro alinhavara aqueles pensamentos. Iraci era mais que as sombras de um dia e de noites criadas na servidão dos desejos.

- Além de suas saídas, evasivas: a igreja, as novenas e esses livros - esses novos que a pouco conseguira com amigas. Onde se aninhou a semente do mal? Agora estes almoços!

Em seus olhos a noite descia com suas sombras e o dia ainda não havia dissipado o calor e os restos do almoço ainda estavam entre os dentes: a troca de olhares, o convite para mais um cálice, a estupidez da embriaguez que rápido se esvai deixando a realidade estampada - desnuda e fria: Iraci dançava naqueles braços mirando seus olhos entreabertos. Um bago de pinha caía de seus lábios.

- Não seria um sonho ruim, visões trazidas à tona por uma digestão difícil? - Tudo era turbidez e medo.

Aquela dança crescia como um tango - falava de fogo e sombras dos amores que crescem serpenteando os dias, maquinando suas más vontades e ao amanhecer voltam aos seus sótãos sujos.

Ele caiu ante os passos desconexos, havia no ar o cheiro da pólvora e o ardor do estanho encerrando o dia.

Agora olha o horizonte trêmulo, e o dia já vai morrendo, levando o outro. Iraci neste momento se desbotou em sua mente, tudo era solidão e silêncio.

 
 
 

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© 2023 por Frederico Spencer.

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